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Da Pobreza de Espírito ou do Desapego de tudo o que é criado

Quando os mestres da vida espiritual falam da pobreza espiritual, tomam-na regularmente em duplo sentido: no sentido estrito, designam com essa expressão o desapego do coração de todos os bens da terra; no sentido, lato, entendem o desapego de todas as coisas criadas, de qualquer natureza que sejam. Tomada neste sentido mais amplo, é a pobreza de necessidade imprescindível para todos os que aspiram à perfeição.


Nosso coração não pode viver sem amor: ou ama a Deus, ou as criaturas. Se não ama as criaturas, amará a Deus por necessidade. É o motivo por que o Espírito Santo nos exorta

a purificar diligentemente o nosso coração de todas as inclinações que não tenham a Deus por objeto, porque é «Dele que procede a vida» (Pr 4, 23). Enquanto nosso coração ama a Deus, vive; se vota às criaturas o seu amor, dá-se a morte.


Para nos santificar, devemos expelir de nosso coração tudo o que não é Deus. Quando alguém procurava os antigos Padres do deserto, para ser admitido em sua companhia,

dirigiam-lhe a seguinte pergunta:


«Trazes um coração vazio, para que o Espírito Santo o possa encher?»


E tinham razão: um coração em que se acha qualquer amor terrestre, não pode ser repleto do amor de Deus. Quem leva à fonte um jarro cheio de terra, não o poderá encher d'água, se não retirar antes a terra.


Donde provém que tantos homens, que se dão à oração e comungam muitas vezes, não fazem grandes progressos no amor de Deus? Provém de terem o coração cheio de terra,

isto é, de amor-próprio, de vaidade, de vontade própria, de apego aos pais e parentes e

outras criaturas. Se não removerem essa terra, o amor de Deus nunca poderá entrar nele.

Dai-me uma alma que não ama a criatura alguma deste mundo, e vereis um coração todo

inflamado no amor de Deus.


Quem desejar, pois, atingir a caridade perfeita, deverá praticar a pobreza de espírito em

seu sentido mais amplo. Em primeiro lugar, deverá desprender-se dos bens da terra; em

segundo lugar, das honras deste mundo; em terceiro lugar, de seus semelhantes, e, em

quarto lugar, de si mesmo.


Do Desapego dos Bens da Terra


«Bem-aventurados os pobres de espírito» (Mt 5, 3), diz o Salvador, e, «Ai dos ricos» (Lc 6, 24). Que quer dizer com isso? Talvez que todos os pobres que imploram a nossa caridade são felizes e que todos os ricos são infelizes? Certamente não; Ele quer com isso recomendar a todos, quer ricos, quer pobres, a virtude do desapego; pois muitos pobres há cujos corações estão apegados às coisas terrenas e muitos ricos que delas estão inteiramente desapegados.


1) Quanto ao que se refere aos pobres propriamente ditos, deve-se dizer que, só por sofrerem falta dos bens terrenos, não possuem ainda a pobreza de espírito: para que a

possuam, requer-se que não queiram possuir nenhuma outra coisa fora de Deus.

«Encontro muitos pobres, diz Santo Agostinho (Serin. 14), e debalde procuro um», isto é, muitos são de fato pobres, mas poucos em espírito e no desejo. Santa Teresa diz dos que são extremamente pobres, mas não em espírito, que eles enganam o mundo e a si mesmos. Para que lhes servirá sua pobreza em bens da terra? Quem é externamente

pobre, mas internamente alimenta desejos de riquezas, tem simplesmente os incômodos

da pobreza e não a virtude. Os pobres verdadeiramente virtuosos não desejam nada fora

de Deus e são por isso imensamente ricos. A eles se podem aplicar as palavras de São

Paulo: «Não têm nada e possuem tudo» (2 Cor 6, 10), pois, se não possuem bens temporais, exclamam, cheios de consolação:


«Vós só, meu Deus, me bastais».


2) Vejamos agora como os ricos e possuidores de bens temporais podem praticar a pobreza de espírito:


a) Em primeiro lugar, não devem ter nenhum apego desordenado a suas riquezas.

Que são os bens deste mundo? Simples bens aparentes, que não podem satisfazer o coração do homem:


«Vós comeis e não vos fartais». (Ag 1, 6)


«Em vez de matar a nossa fome, esses bens a despertam», diz São Bernardo. Se os bens deste mundo pudessem satisfazer o homem, seriam os ricos e poderosos plenamente felizes; a experiência, porém, ensina o contrário, pois esses homens são, em geral, os mais infelizes; porque vivem continuamente atormentados por temores, ciúmes e tristezas.


Ouçamos a Salomão, que possuía em abundância os bens da terra: «Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade», afirma ele (Ecl 1, 2), tudo é mentira e engano, e, mais ainda, tristeza e aflição de espírito, desde que a alma não encontra nelas satisfação, antes só aflição e amargura. A isso acresce ainda a circunstância de que aqueles que cuidam sempre em aumentar os seus bens acham-se em grande perigo de se perderem eternamente. Disso nos previne o Apóstolo, dizendo que os escravos da avareza não só são atormentados por muitos cuidados e inquietações e impedidos no seu adiantamento espiritual, como também «caem em tentações e nos laços do demônio e em muitos desejos inúteis e perniciosos» (1 Tim 6, 9), que submergem os homens no abismo da morte e da perdição.


E, de fato, a quantos desvarios, a quantos pecados, contra a caridade e a justiça não arrastou a cobiça dos bens terrenos?


«Quem amontoa dinheiro, diz Santo Ambrósio, dissipa os bens da graça».


São Paulo equipara a avareza à idolatria, pois o avarento faz do seu dinheiro o seu deus, isto é, seu último fim e aspiração.


Se quisermos pertencer a Deus, devemos renunciar ao apego dos bens deste mundo.


«Quem aspira aos bens terrenos, diz São Filipe Néri, nunca se tornará santo».


As riquezas, que devemos desejar são as virtudes e não os bens temporais, diz São

Próspero; a caridade, a piedade, a humildade, a mansidão, constituirão a nossa grandeza

no céu, depois de nos haverem auxiliado na terra no combate contra os inimigos de nossa salvação.


Para que nos servem os bens deste mundo, se temos de abandoná-los e se, mesmo agora,

não são capazes de satisfazer o nosso coração? Procuremos, pois, adquirir bens que podemos levar connosco e nos farão uma vez eternamente felizes. Sigamos o conselho

do Salvador (Mt 5, 19):


«Não queirais entesourar para vós tesouros da terra, onde a ferrugem e a traça os consomem... entesourai tesouros no céu».


b) Os ricos podem também praticar a pobreza de espírito, dando esmolas e praticando boas obras.


«Oh! feliz troca, exclama São Pedro Damião, damos lodo, isto é, bens da terra, e por ele recebemos ouro, a saber, graças divinas e a recompensa eterna no céu».


Em todos os tempos houve cristãos de alta nobreza que viveram na maior simplicidade,

para poderem praticar maior número de boas obras. Violanta Palombara, uma dama

nobilíssima, vestia-se grosseiramente, servindo-lhe de cobertor uma simples manta de

lã e tendo seu rosário de madeira ordinária. Ora, pouco antes de sua morte, exclamou:


«Que vejo eu? Meu vestido está todo resplendente, minha coberta parece ser de ouro, meu rosário de diamantes».


c) É também um meio de praticar o desapego dos bens da terra suportar com resignação à vontade de Deus grandes danos temporais ou a injustiça dos que nos roubam nossos haveres. A fé nos ensina que nada sucede sem a permissão ou vontade de Deus. Portanto, se alguém nos prejudica em nossa honra, nos rouba nossos bens, Deus não quer o pecado que o próximo comete, mas quer o dano que sofremos, e isso para nosso maior bem.


Quando um mensageiro trouxe a Jó a notícia que os sabeus haviam roubado todas as

suas riquezas e trucidado seus filhos, exclamou o santo homem (Jó 1, 21): «O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou», e não disse: O Senhor mo deu e os sabeus mo roubaram.

Reconheceu que essa desgraça lhe provinha da vontade de Deus, e ajuntou:


«Como foi do agrado do Senhor, assim sucedeu; bendito seja o nome do Senhor».


d) Mais: é próprio da pobreza de espírito ou desapego dos bens do mundo evitarem-se, quanto possível, os processos. Cada contenda por causa de bens temporais é uma fonte de inquietações, rancores e pecados. Por isso diz o Salvador (Mt 5,40):


«Ao que quiser de mandar contigo em juízo e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa».


É verdade que isso não deixa de ser unicamente um conselho; contudo, devemos, pelo menos, procurar evitar todos os processos de menor monta.


«Prefere perder alguma coisa, diz Santo Agostinho (Sermo 167), para que sirvas a Deus e não às tuas contendas».


Renuncia ao mamon (dinheiro), para te comprares a paz.


e) Uma prova especial de desapego dos bens deste mundo dão os que não se deixam

influenciar por dinheiro e bens terrestres, mas só pela virtude, quando se trata do

casamento de seus filhos. Um fidalgo, de nome Miguel Faciemon, que foi martirizado

no Japão, pelo ano de 1605, deixou uma filha, que também foi condenada à morte, mas,

libertada pelos cristãos, foi levada a Arima. Aí, um homem de posição queria-a para esposa de seu filho. Quando lhe disseram que a jovem estava despojada de tudo e não possuía nenhum dote, respondeu:


«Basta que seja filha de um mártir».


f) Finalmente, patenteia-se o espírito de pobreza, mostrando-se pronto a antes renunciar a tudo, riquezas, honras, dignidade, cargos, numa palavra, qualquer lucro temporal, do que a ofender a Deus.


Era esse o sentimento de todos os mártires e deve ser também o nosso. Dizendo a São

Vicente, o diácono, o governador de Tarragona, Daciano:


«Meu filho, és ainda jovem; os favores da fortuna te aguardam; eles se oferecem por si mesmos a ti; para alcançá-los, basta que renegues a tua religião. Obedece ao imperador e não te sujeites a uma morte ignominiosa».


Voltou-se ele para o Bispo Falério, que fora conduzido à presença do governador juntamente com ele, e disse-lhe:


«Pai, se queres, respondo em teu lugar».


O santo Bispo, que estava resolvido a tudo padecer por amor de Jesus Cristo, respondeu:


«Sim, meu filho, como te incumbi até hoje de anunciar a palavra de Deus, do mesmo modo te encarrego agora de professar a nossa fé».


Vicente então expôs a Daciano que ambos adoravam um só Deus e não podiam adorar

os demônios, que eram os deuses do império romano.


«E não julgues, disse ele, que nos abalarás por meio de ameaças de morte ou promessas de recompensa. Nada do que há no mundo se pode comparar com a honra e alegria de morrer por Jesus Cristo».


Furioso pela franqueza do santo diácono, exclamou Daciano:


«Ou sacrificais aos deuses ou pagareis com a morte o desprezo deles».


Vicente respondeu:


«Já te disse que não nos podes causar maior alegria ou honra que infligindo-nos a morte por Jesus Cristo, e podes ficar convencido de que antes te cansarás martirizando-nos que nós deixando-nos martirizar».


3) Consideremos agora alguns meios que se devem empregar para se desprender o coração da terra:


O primeiro meio para afastar do coração o apego desordenado dos bens deste mundo consiste em pensar muitas vezes na morte. O dia da morte é chamado dia de dano, porque nesse dia se perdem as honras, riquezas, prazeres e todos os bens da terra. Por isso dizia Santo Ambrósio que não deveríamos chamar - nossos - esses bens, desde que não está em nosso poder levá-los connosco para o mundo ao qual nos acompanham nossas virtudes. Tinha, pois, razão aquele homem que, depois de haver conhecido a vaidade do mundo, escreveu em uma caveira as seguintes palavras:


«Ao que reflete, tudo parece desprezível».


Quem pensa na morte, não pode amar a terra. Mas como explicar então a existência de

tantos amantes da terra? Porque não pensam na morte.


«Pobres filhos de Adão, diz o Espírito Santo, por que não removeis de vossos corações o lodo e o apego às coisas da terra, que vos obriga a correr atrás da vaidade e da mentira?» (SI 4, 3).


O que sucedeu a vossos antepassados se dará também convosco. Também eles possuíram habitações que agora são vossas; dormiram talvez no mesmo leito de que vos servis; agora não vivem mais e a vossa sorte será a mesma que a deles.


O segundo meio é a meditação assídua da pobreza de Jesus Cristo e do apreço em que Ele tinha a virtude. Para nosso bem e para nos dar um exemplo, quis o divino Salvador levar uma vida tão pobre aqui na terra, que Santa Madalena de Pazzi chamava a pobreza a esposa de Jesus. São Bernardo diz:


«A pobreza não se encontrava no céu, reinava, porém, na terra; os homens não conheciam seu valor. O Filho de Deus desceu então à terra para torná-la por sua companheira e ensinar-nos a apreciá-la».


Este pensamento quadra com o que o Apóstolo escreveu a seus discípulos:


«Vós conheceis a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, Se fez pobre por vosso amor, a fim de que fosseis ricos por Sua pobreza» (2 Cor 8, 9).


Apesar de ser o Senhor de todas as riquezas do céu e da terra, o divino Salvador quis fazer-Se pobre na terra para que, por Seu exemplo, nos tornemos ricos: queria nos levar a amar a pobreza, como Ele, para que, desprendendo-nos dos bens temporais, participássemos dos tesouros do céu.


O terceiro meio é a meditação constante da verdade que os pobres de espírito terão

uma recompensa mui grande e absolutamente certa. Sua recompensa é absolutamente certa, pois o Salvador, enumerando, no Evangelho, as bem-aventuranças, quando trata das demais, se refere ao futuro, por exemplo: Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os de coração puro, porque verão Deus; mas, falando dos pobres de espírito, promete-lhes a recompensa já nesta vida: Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.


A recompensa dos pobres de espírito é, além disso, muito grande.


«Quanto menos possuímos aqui na terra, diz Santa Teresa, tanto maior será nossa recompensa no céu, onde nossas moradas corresponderão exatamente ao amor com que imitamos aqui na terra a vida de Jesus».


Os verdadeiros pobres de espírito gozam já na terra as alegrias celestes.


«Quanta felicidade não causa a pobreza voluntária, exclama São Lourenço Justiniano; ela nada possui e nada teme, está sempre alegre, tem sempre abundância, sabendo tirar proveito espiritual de tudo o que a acabrunha».


Segundo São Bernardo, a avareza tem sempre fome de bens terrenos como um mendigo, porque não pode jamais saciar seu apetite; o pobre voluntário, porém, que nada deseja,

despreza os bens da terra e é o senhor de tudo.


O quarto meio é amarmos a Deus sem restrição. Uma alma que está inteiramente compenetrada do amor divino, sente-se levada por si mesma, ainda que não seja com o auxílio da graça, a despojar-se de todas as coisas terrenas que a possam impedir de

pertencer totalmente a Deus.


Um homem rico renunciou a todos os seus bens por amor de Jesus Cristo. Perguntado por que se fizera tão pobre, puxou pelo livro dos Evangelhos e disse: Olhe, foi este quem me privou de tudo. O Espírito Santo (Ct 8, 7) nos ensina que todos os tesouros do mundo nada são aos olhos daquele que ama a Deus. Se uma alma consagra só a Deus todo o seu amor, com isso mesmo despreza as riquezas, prazeres, honras, reinos e todas as outras coisas deste mundo. Uma tal ama só a Deus e diz, incessantemente: Ó meu Deus, só a Vós eu quero, e nada mais!


Santo Afonso de Ligório


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