O equívoco consiste em considerar a vida interior e a atividade exterior como dois inimigos irreconciliáveis.
Partindo deste erro, é frequente haver quem procure estabelecer entre eles, uma espécie de compromisso, uma trégua, marcando a cada um a sua parte: vida interior e oração contra atividade exterior e trabalho, como se não devessem manter nenhuma relação entre si.
Relegam-se as práticas de piedade para um determinado momento do dia, afastando-as do curso da vida, e assim a sua influência exerce-se apenas durante o curto espaço de tempo que lhes é dedicado. Analogamente, restringe-se o campo da meditação e acaba-se por fechá-la como numa gaveta; passa a ser um ato transitório, uma breve lembrança ou uma imagem momentânea, e não representa uma força vital ou um princípio de vida, nem uma indicação que oriente a alma; não satura o entendimento, não acompanha a ação, não é essencial à vida.
Por este caminho, nunca se poderá chegar a uma vinculação e fusão orgânicas entre a vida interior e a atividade externa.
Um outro erro é limitar a vida interior à oração contínua, à união com Deus, a pensar Nele e a Nele ter fixa a atenção: a uma tarefa do entendimento e da imaginação.
A vida interior não é só, nem principalmente, pensar em Deus, querer imaginá-LO a todo o custo: é uma atividade da vontade, é amor de Deus, é uma disposição constante de amor e um contínuo espírito de oração, e é, ao mesmo tempo, uma demonstração de amor, expresso em obras perfeitamente conformes à vontade divina.
É ação da alma, atividade que compromete o homem inteiro. Oramos na medida em que amamos Deus. A vida interior é tanto mais profunda quanto mais sincero é o amor de Deus.
Como, pois, conciliar a vontade interior e a atividade externa?
Convertendo em oração a atividade diária, o que se conseguirá, principalmente, se se iniciar o dia se introduzirem pausas nele, de vez em quando, para levar a cabo os exercícios de piedade prescritos. A atividade externa será adoração na medida em que for sustida e receber o influxo do espírito de oração, que ajudará a eliminar da vida tudo o que poderia desagradar a Deus, mesmo a mais pequena infidelidade e as imperfeições conscientes, tanto nas intenções, como nos pensamentos e nas obras.
Se assim for, a atenção não se deterá na ocupação em si mesma, no esforço em conseguir êxito ou no prazer que tal ou tal atividade nos proporcionam: nada buscaremos para nós, o pensamento estará em Deus, na Sua vontade, no Seu beneplácito, na Sua glória. Se assim for, então a atividade externa será, sem dúvida alguma, uma oração constante, um ininterrupto «Gloria Patri» um «Santificado seja o Vosso nome», autenticamente vivido.
O cristão é feliz quando aprende com a graça de Deus a orar sem interrupção e a viver como pessoa contemplativa, na verdade com Deus. O contemplativo já não vive no reino das coisas e das impressões, já não é arrastado para o movimento irrequieto do dia-a-dia. Está na santa vontade de Deus, e, com isso, muito acima das impressões, das vivências e excitações do dia-a-dia. Está acima do louvor e da recriminação, da honra e da humilhação, e é senhor e dono da sua vida. Vive na vontade de Deus e aí encontra a calma e a paz, no meio de toda a turbulência que o rodeia. Está satisfeito com tudo e para tudo e aí encontra a calma e a paz; e encontra solução, porque tudo contempla a partir de Deus. Não conhece o medo de viver no meio que o rodeia.
O contemplativo, em face dos cuidados dos homens deste mundo, que querem que tudo lhes vá bem, que querem sempre a alegria, a saúde, o trabalho, a admiração, o reconhecimento e o êxito, sabe que o sentido da vida e a felicidade do homem está noutras coisas, para lá da alegria e da tristeza, no sentido mundano das palavras, para lá da honra e do reconhecimento por parte dos homens, naquilo que se calou em Deus e vive em Deus.
Não há homem mais feliz e mais em paz do que aquele que possui uma verdadeira vida interior.
Da Obra "A VIDA ESPIRITUAL" de BENEDIKT BAUR
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