Deus não julga da perfeição das nossas ações pelo número delas, mas sim pela maneira
de as executar.
Apesar de termos mostrado a conveniência de fazer, enquanto nos dure a vida, o maior número de boas obras que possamos, nem por isso hás de crer, piedoso leitor, que a perfeição espiritual está precisamente na multiplicidade dessas mesmas obras.
Este é o erro de algumas almas piedosas com grandes desejos da sua maior santificação, mas pouco conhecedoras da verdadeira ciência do espírito que, no seu afã de juntar
tesouros no céu, sentem uma ansiedade imoderada de multiplicar as suas obras virtuosas e os seus exercícios de piedade, parecendo-lhes que dessa maneira empregarão mais
santamente o tempo, cumprirão melhor a vontade de Deus N. Senhor, adquirirão maior abundância de graças e méritos e adiantarão mais rapidamente no caminho da perfeição.
Em parte, têm razão, porque, quem duvida que sem a prática das boas obras desapareceria a virtude e que sem o auxílio dos exercícios espirituais a alma morreria por falta de alimento e a chama da devoção extinguir-se-ia, como se extingue por falta de azeite a lâmpada que
arde diante do Sacrário? Mas para que tais obras e exercícios produzam frutos de santidade, têm de ser como todas as coisas, reguladas pela prudência, pois se se multiplicam indiscretamente há o perigo de que se pratiquem mal, com precipitação e sem fervor, de que cansem demasiado o espírito e diminuam a devoção interior e formem
na pessoa uma virtude superficial e pouco sólida que a levem a faltar, por outro lado ao cumprimento de alguma ou algumas das suas mais importantes obrigações.
Não consiste portanto, a perfeição cristã nessa multiplicidade excessiva de atos e exercícios piedosos. Não vemos como algumas pessoas, apesar de se alimentarem com excesso, têm menos saúde, menos robustez e menos forças físicas que outras mais parcas na sua alimentação? Estas digerem e assimilam melhor os alimentos do que as primeiras, e é essa a razão, por que as outras andam doentes e fracas enquanto estas gozam de vida exuberante. Coisa idêntica se dá com as nossas boas obras e exercícios de piedade, os quais, ainda que sejam muitos em número, se não se digerem nem se assimilam bem, quero dizer, se não se praticam com perfeição, não robustecem a vida espiritual, nem aumentam o amor de Deus; e por isso se vêm não poucas pessoas piedosas que, apesar dessa multiplicidade de ações e devoções que praticam, adoecem de muitos e maiores
defeitos e andam extraordinariamente fracas nas virtudes sólidas, o qual, diz S. Francisco de Sales, é crescer só pela rama e não pela raiz.
Se queres, caro leitor, crescer pela raiz, se queres adquirir aquela virtude sólida que aumenta a saúde e a vida da alma e que conduz à santidade, hás de preocupar-te mais
do que com o número das obras, com a maneira de as executar.
Praticam com perfeição, não robustecem a vida espiritual e nem aumentam o amor de Deus; e por isso se veem no ato que realizamos e a diferente situação e circunstâncias
em que nos encontramos. O que vive numa Comunidade Religiosa, subordinado a uma Regra e sob a obediência de vida aos seus superiores, deve agir tal como a sua Regra e os
seus superiores lhe mandem ou aconselhem; os outros agirão segundo as inspirações da consciência e conforme as regras da prudência cristã.
Esclarecendo um pouco mais este ponto, diremos que, para que as nossas obras sejam perfeitas quanto ao modo, temos de as fazer com atenção, pondo os olhos da nossa
mente naquilo que estamos a fazer, sem ter o espírito distraído e como que repartido por diferentes coisas; com sossego, sem precipitação, dando a cada obra o tempo devido,
como se não tivéssemos mais que fazer senão aquilo, porque, como diz S. Francisco de Sales, «o que se faz com a precipitação nunca se faz bem»; pois seria censurável, por exemplo, rezar o Ofício divino em lugares expostos à dissipação, ou pôr-se a estudar no templo; em tempo oportuno, não deixando, por exemplo, para a noite a não ser em caso de grande necessidade, a oração ou as ocupações da manhã... É necessário assim mesmo praticá-las com diligência, esmero, sacudindo a tibieza e a indiferença voluntárias: Maldito o homem - diz o Espírito Santo - que faz qualquer obra de Deus negligentemente. Na verdade, como chamaremos perfeita, ou como poderá merecer a bênção de Deus uma obra feita sem fervor de espírito, com negligência e com decaimento deliberado da vontade? Se uma pessoa que estivesse ao nosso serviço e que tivesse para connosco motivos especiais de gratidão, se ao executar as nossas ordens e indicações, o fizesse de mau grado, com frieza ou descuidadamente, comprazer-nos-ia a sua maneira de agir? Então como poderão ser do agrado de Deus as obras de virtude ou devoção praticadas frequentemente com tanta preguiça, com tanta moleza e descuido da nossa parte, como se não estivéssemos na presença de Deus quando as praticamos, ou como se não fossem obras feitas em honra da Majestade Divina?
Diz o Padre Afonso Rodrigues, que observando S. Inácio um Irmão, que era algo descuidado no seu ofício, lhe perguntou: «Irmão, por quem fazeis isso?» Respondeu-lhe
ele: «Por amor de Deus». Então disse-lhe o Santo: «Posso garantir-vos que, se diante do que fazeis dessa maneira, tenho de vos dar uma boa penitência; porque se o fizésseis
pelos homens ainda poderia passar e não seria grande falta fazê-lo com esse descuido: mas fazendo-o por tão grande Senhor, é enorme falta praticá-lo dessa maneira tão imperfeita». Por isso, pois, façamos com grande cuidado e fervor todas as nossas obras, e em especial os exercícios de piedade, pensando que os fazemos diante de Deus e ao Seu serviço e ao dizer que os façamos com fervor não me refiro precisamente ao fervor sensível, o qual nem sempre está na nossa mão poder alcançar, mas sim ao fervor e disposição da vontade, procurando sacudir a tibieza e descuido voluntários, e pondo todo o nosso cuidado, toda a nossa diligência e interesse em fazer bem o que fizermos.
Finalmente a perfeição das nossas boas obras depende, principalmente, do fim ou seja da pureza de intenção com que se façam.
Esta pureza de intenção é como que a alma e a vida de todas as nossas ações; com ela, a ação mais simples e humilde é de um mérito extraordinário e sumamente agradável aos olhos divinos.
Santo Agostinho diz em seus escritores sagrados que, a pureza de intenção deve acompanhar todas as nossas ações.
«Deus - diz S. Gregório - não repara tanto no que fazemos como na intenção e afeto com que o fazemos».
Temos o exemplo da viúva pobre nas Sagradas Escrituras que deu a única moeda que possuía numa reta intenção de coração.
Em que consiste, dirás tu, esta pureza de intenção?
Muitas são, alma piedosa, as intenções retas que podes propor a si mesma em qualquer obra boa que realizes: o obter um bem material ou espiritual, o afastamento dum mal temporal, a reparação das ofensas feitas ao teu inimigo para conseguir a humildade, ou a doçura, ou a conversão de um pecador; evitar o pecado para te livrares de cair nas penas do Inferno ou do Purgatório. Mas apesar destas e outras intenções análogas serem retas e boas, não são, todavia, em si mesmas perfeitas, nem absolutamente puras.
A intenção pura e perfeita é a que procura e se ordena diretamente para Deus; é o desejo de agradar a Ele somente, de cumprir Sua vontade, de fazer tudo por Seu amor e para Sua maior glória, é ter a mesma intenção de Jesus, de Seu Sacratíssimo Coração, a mesma intenção de Deus. Com esta intenção se elevam, se enobrecem todas as nossas ações; com esta intenção o barro dos nossos nobres atos transforma-se em ouro e o ouro em
caridade; com esta intenção nós somos elevados, transformados e como que divinizados, pela uniformidade do nosso querer com o querer divino. Oh, que fonte tão copiosa de
graças, que rico tesouro de merecimentos, que prova tão verdadeira do nosso amor a Deus e que vida tão divina se encontra escondida na pureza de intenção!
Procura-a, pois, caríssimo leitor, em todas e cada uma das tuas ações; afasta toda a intenção menos reta, e especialmente a que te sugira vanglória, doce veneno, que traz frequentemente a peçonha às nossas melhores ações, e o ladrão doméstico, que vem roubar-nos os merecimentos dessas mesmas ações; procura-a unicamente ou pelo menos procura principalmente a Deus e Sua maior glória; e assim, ao executar qualquer ação, ainda que seja de si indiferente, diz a N. Senhor do fundo da tua alma: Meu Deus, faço isto por Vós, para vos dar gosto ou por Vosso amor, ou para cumprir a Vossa santíssima vontade ou para a vossa glória (são tudo expressões do mesmo significado).
E se durante a ação renovas muitas vezes com fervor esta mesma intenção, com isso agradarás mais a Deus N. Senhor e aumentarás o merecimento.
Vê aqui agora, como S. Francisco de Sales nos ensina a maneira prática de orientar todos os motivos e intenções das nossas boas ações para o amor de Deus: «Purifiquemos quanto possamos todas as nossas intenções; e uma vez que podemos pôr como motivo das nossas ações e virtudes o amor de Deus, porque não o faremos? Afastando, de motivos viciosos, como o da vaidade e o do egoísmo.
Virtude sublime, alquimia verdadeiramente divina, que, transforma o vil metal dos nossos pobres atos e dos motivos e intenções naturais, em ouro puríssimo de divina caridade!»
Tudo façamos com reta intenção de coração; como se para Deus fazemos as coisas.
Os trabalhos por nós realizados terão um peso valioso e meritório, além de serem realizados na perfeição.
Quem ama a Deus verdadeiramente não medirá esforços para isso e os fará com todo o gosto.
Se pertencemos a Deus, trabalhemos o tempo todo com Ele, Nele e para Ele.
Que celestial ação em depositar todo o nosso cuidado, fervor e esmero em cada detalhe do que exercemos.
Pratiquemos com afinco sempre esta postura santa e correta, tão agradável à Deus que nos contempla do Céu e nos perscruta o coração.
E quão agradável será para nós, executar qualquer que seja a obra a desempenhar. Terá um sentido mais completo, pois que, para Deus é que trabalhamos e devemos trabalhar.
No final da nossa jornada, será pela medida do amor que seremos medidos.
Reflitamos bem nisso!
Finalização de Claudia Pimentel dos Conteúdos Católicos
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