O assunto de que hoje vou tratar é muito grave; fez mesmo tremer os pilares da Igreja, encheu de terror os maiores Santos e povoou os desertos com anacoretas. O ponto desta instrução está em decidir se o número de Cristãos que se salvam é maior ou menor do que o número de Cristãos que se condenam; e produzirá em vós, segundo espero, um salutar temor dos juízos de Deus.
Porque devo eu falar claramente
Meus Irmãos, pelo Amor que eu tenho por vós, bem gostaria de poder sossegar-vos com a perspetiva da felicidade eterna, dizendo a cada um de vós: Tende a certeza de que ireis para o Paraíso; a maior parte dos Cristãos salva-se e, por isso, vós também vos salvareis. Mas como posso eu dar-vos tão doce segurança, se vós vos revoltais contra os decretos de Deus, como se vós fôsseis os vossos piores inimigos? Eu observo em Deus um desejo sincero de vos salvar, mas encontro em vós uma decidida inclinação para serdes condenados. Então, o que farei eu hoje se falar claramente? Ser-vos-ei desagradável. Mas, se eu não falar, serei desagradável a Deus. Portanto, dividirei este assunto em dois pontos.
No primeiro, para vos encher de terror, deixarei os teólogos e os Padres da Igreja decidir sobre este assunto e declarar que o maior número de Cristãos adultos se condena; e, em silenciosa adoração deste terrível mistério, guardarei para mim os sentimentos pessoais. No segundo ponto, tentarei defender a bondade de Deus versus a falta de Deus, provando-vos que aqueles que são condenados se condenam pela sua própria malícia, porque querem ser condenados. Portanto, há aqui duas verdades muito importantes. Se a primeira verdade vos assusta, não me censureis por isso, como se eu quisesse fazer mais estreito, para vós, o caminho para o Céu, pois quis ser neutro nesta matéria; censurai antes os teólogos e os Padres da Igreja, que hão de gravar esta verdade nos vossos corações pela força da razão. Se ficastes desiludidos com a segunda verdade, dai graças a Deus por isso, pois Ele só quer uma coisa: que vós Lhe deis inteiramente o vosso coração. Finalmente, se vós me obrigais a dizer-vos o que eu penso, eu fá-lo-ei para vossa consolação.
Este tópico é muitíssimo importante
Não é curiosidade vã, mas sim uma precaução salutar proclamar do alto do púlpito certas verdades que servem à maravilha para conter a indolência dos libertinos, que tanto falam da misericórdia de Deus e de como é fácil converter-se, que vivem mergulhados em toda a sorte de pecados e dormem profundamente no seu caminho para o Inferno. Para os desiludir, e para os acordar do seu torpor (inatividade mental), examinemos hoje esta grande questão: O número de Cristãos que se salvam será maior do que o número de Cristãos que se condenam? Ó almas piedosas, vós podeis sair; este sermão não é para vós. O seu único propósito é conter o orgulho dos libertinos, que lançam fora do seu coração o santo temor de Deus e juntam forças com o demônio que, segundo o sentir de Eusébio, condena as almas ao mesmo tempo que as sossega. Para resolver esta dúvida, ponhamos os Padres da Igreja, tanto Gregos como Latinos, de um lado; do outro, os teólogos mais ilustrados e os historiadores mais eruditos; e ponhamos a Bíblia ao meio, para que todos a vejam. E agora ouvi, não o que eu vos disser – pois já afirmei que não quero falar por mim próprio nem decidir neste assunto – mas ouvi aquilo que estas mentes ilustres têm para vos dizer, eles que são faróis na Igreja de Deus para darem luz aos outros, de modo a eles não perderem o caminho para o Céu. Deste modo, guiados pela luz tripla da fé, da autoridade e da razão, seremos capazes de dar resposta a este grave assunto e resolvê-lo com uma absoluta certeza.
Falam os Teólogos mais reconhecidos
Notem bem que aqui não é questão da raça humana tomada como um todo, nem de todos os Católicos tomados sem distinção, mas apenas dos Católicos adultos, que têm livre escolha e, consequentemente, são capazes de cooperar na grande matéria da sua salvação. Primeiro, consultemos os teólogos reconhecidos por examinarem as coisas mais cuidadosamente e por não exagerarem nos seus ensinamentos: ouçamos dois Cardeais eruditos, Caetano e (S. Roberto) Belarmino. Ensinam eles que o maior número de Cristãos adultos se condena, e se eu tiver tempo para vos apontar as razões em que eles se baseiam, convencer-vos-eis disso por vós mesmos. Mas eu limitar-me-ei aqui a citar Suárez (o grande teólogo). Depois de consultar todos os teólogos e de fazer um diligente Jesus, cheio de Amor e compaixão, mostra-nos o caminho para o Céu, mas muitas almas estão embaraçadas pelas maldades e armadilhas do demónio e seguem o seu caminho enganador, descendo até às profundas do Inferno. estudo sobre o assunto, escreveu ele: “O sentimento mais comum que é mantido é o de que, entre os Cristãos, há mais almas condenadas do que almas predestinadas.”
Os Padres Gregos e Latinos ensinam-nos
Acrescente-se a autoridade dos Padres Gregos e Latinos à dos teólogos, e descobrireis que quase todos eles dizem a mesma coisa. É este o sentimento de S. Teodoro, S. Basílio, Santo Efrém e S. João Crisóstomo. E, o que é mais, segundo Barónio, era opinião comum entre os Padres Gregos que esta verdade tinha sido expressamente revelada a S. Simão Estilita e que ele, depois de tal revelação, decidiu, para assegurar a sua salvação, viver de pé no cimo de um pilar durante quarenta anos, exposto às intempéries, como modelo de penitência e santidade para todos. Consultemos agora os Padres Latinos. Ouviríeis S. Gregório a dizer claramente: “Muitos atingem a fé, mas poucos o Reino dos Céus.” Santo Anselmo declara: “São poucos os que se salvam.” E Santo Agostinho afirma, ainda com maior clareza: “Por conseguinte, poucos são aqueles que se salvam, em comparação com aqueles que se condenam.” O mais aterrorizador é, contudo, S. Jerónimo. No fim da vida, na presença dos seus discípulos, ele pronunciou estas palavras terríveis: “De cem mil pessoas cujas vidas foram sempre más, dificilmente se encontrará uma que seja merecedora de indulgência.”
As palavras da Sagrada Escritura
Mas porquê procurar as opiniões dos Padres e teólogos, quando a Sagrada Escritura resolve esta questão tão claramente? Olhai para o Antigo e para o Novo Testamentos, e encontrareis uma multidão de figuras, símbolos e palavras que salientam claramente esta verdade: muito poucos se salvam. No tempo de Noé, toda a raça humana foi submersa pelo Dilúvio, e só oito pessoas se salvaram na Arca. S. Pedro afirma: “Esta arca era a figura da Igreja,” enquanto Santo Agostinho acrescenta: “E estas oito pessoas que se salvaram significam que muito poucos Cristãos se salvam, porque há muito poucos que renunciam sinceramente ao mundo, e aqueles que a ele renunciam só em palavras não pertencem ao mistério representado por aquela arca.” A Bíblia diz também que só dois dos dois milhões de Hebreus entraram na Terra Prometida após terem saído do Egipto, e que só quatro escaparam ao fogo de Sodoma e das outras cidades queimadas que com ela pereceram. Tudo isto significa que o número dos condenados que serão lançados ao fogo como palha é muitíssimo maior do que o dos que são salvos, os quais o Pai do Céu há de um dia reunir no Seu celeiro como trigo precioso.
As palavras de Jesus
Eu nunca mais acabaria se tivesse de vos indicar todas as figuras pelas quais a Sagrada Escritura confirma esta verdade; contentemo-nos em ouvir o oráculo vivo da Sabedoria Incarnada. O que respondeu Nosso Senhor àquele homem curioso do Evangelho que Lhe perguntou: “Senhor, só uns poucos se salvarão?” Acaso se calou? Ou respondeu hesitantemente? Acaso ocultou Ele o Seu pensamento por medo de assustar a multidão? Não. Questionado só por um, Ele dirigiu-se a todos os presentes. E disse-lhes: “Perguntais-Me se só alguns serão salvos?” Aqui está a minha resposta: “Em verdade, em verdade vos digo: Esforçai-vos por entrar pela porta estreita; porque muitos procurarão entrar e não serão capazes.” Quem está aqui a falar? É o Filho de Deus, Verdade Eterna, que em outra ocasião diz ainda mais claramente: “Muitos são os chamados, mas poucos são os escolhidos.” Ele não diz que todos são chamados e que, de entre todos os homens, poucos são os escolhidos, mas sim que muitos são chamados; o que significa, segundo explica S. Gregório, que de entre todos os homens, muitos são chamados para a Verdadeira Fé, mas que, de entre eles, poucos se salvam. Meus Irmãos, são estas as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo. Acaso são claras? São a Verdade. Dizei-me agora se vos é possível ter fé no vosso coração e não tremer.
S. Leonardo de Porto Maurício
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