Vão-se agravando mais as ingratidões dos Católicos para com Jesus Sacramentado. Porque se é excessiva a dos negligentes em assisti-Lo, qual será a daqueles que vão à Sua casa, a Seus templos, mais para ofendê-Lo que para adorá-Lo; e em Seu próprio Palácio, diante de Seus olhos, estão maquinando contra Sua vida, e, o quanto está de sua parte, dão-Lhe afrontosa morte. Quem seria tão desumano que, com a mesma mão que recebe um benefício, executa uma traição? O crocodilo é infamado como a mais ingrata fera, porque, depois que as aves o aliviam do tormento que padece com os pedaços da carne que lhe fica entre os dentes, fechando a boca, engole-as. Detestável era a ingratidão de Saul, que, quando Davi tomava na mão a harpa para curá-lo, empunhava ele a lança para feri-lo.
Que podemos dizer daqueles que, ao mesmo tempo que recebem tantas Finezas de Jesus Sacramentado, não se apartam de Sua presença sem fazer-Lhe mil agravos? Veem o amoroso Jesus ardendo de amor por eles, pobre, humilde, submisso e encerrado debaixo de uma chave, ou exposto a seus olhos, convidando-os com o alimento de Sua Carne, e oferecendo-lhes o Sangue todo de Suas veias, e então é quando mais O ultrajam com as imodéstias, ferem o coração com os pensamentos menos puros, e, ainda mais, com as ações e sinais. Pois não diremos destes que, incomparavelmente mais cruéis e ingratos do que os irmãos de José, os quais, vendo-o trazer as espigas de trigo para seu sustento, então tratam de matá-lo ou de vendê-lo?
Ó Deus imortal! E quem não treme de horror ao ver e ouvir tantas insolências executadas pelos Católicos nos Sagrados Templos, à vista de Deus Sacramentado? Os judeus, é certo, deram-Lhe afrontosa morte; mas foi numa Cruz, que era lugar de suplício. Os Católicos, porém, fazem-Lhe tiro à vista de um Altar, que é lugar de adoração. Que outra coisa são aqueles olhos impuros, que, mirando pelas Igrejas, despedem setas mortais contra tantas Almas, e muito mais contra o Coração de Jesus? Que outra coisa fazem aquelas línguas que, com lascivas conversações, afogam a semente da Divina palavra, que naquele terreno devia dar multiplicado fruto? Quantas imaginações, envoltas em mil impurezas, se acham à vista do Rei das Virgens? Quantos corações ardem em vinganças diante do Deus de amor?
Não quisera referir aqui o que nossos tempos choram acerca da irreverência dos Católicos a Este Augustíssimo Sacramento. Porém me é preciso, com a confusão no rosto e com lágrimas nos olhos, apontar alguma coisa, para que se veja a maior ingratidão à vista da maior de todas Suas finezas. Houve uma boca sacrílega (pasmai) que veio à mesma mesa de Jesus Sacramentado, e ali deu um ósculo lascivo em seu ídolo. Houve um temerário (tremei) que, debaixo do mesmo Trono do Augustíssimo Sacramento, foi achado nos braços de sua Vênus. Este é o horror dos horrores. Isaías viu cobrir seu rosto os Serafins diante do Santuário. Moisés, Deus mandou-o descalçar os pés com que pisaria a terra do monte em que estava. Os israelitas não podiam chegar à Arca do Senhor pelo final de muitos caminhos. E São João Crisóstomo via os Anjos, uns com os olhos baixos, outros prostrados com reverente humildade, diante dos Sacrários. E as criaturas da terra afrontam assim um Deus Sacramentado, a cuja vista temem e tremem as mais altas colunas do firmamento?
Mais respeita um gentil seu falso ídolo. Mais venera um maometano sua mesquita, que um Cristão o Trono de Deus Sacramentado. Os antigos germânicos não entravam nos bosques dedicados a seus ídolos, senão arrastando pesadas cadeias. Os sarracenos só com os pés descalços pisavam as lousas de seus templos. Os gregos não se atreviam a cuspir nem a mover-se enquanto duravam os sacrifícios a seus simulacros. Entrai num templo de pagãos, e vê-los-eis mais modestos durante o sacrifício de uma besta, que um Católico à vista do Sacrifício da Missa. Vereis uns prostrados por terra, não se atrevendo a levantar os olhos diante de uma serpente, que adoram; outros, cobrindo o rosto com as mãos, temendo olhar o fogo, que reconhecem por seu deus. Houve turco que se arrancou os olhos e a língua depois de ter visto o corpo do falso profeta Maomé, dizendo que não devia falar nem ver mais coisa alguma no mundo, os olhos que mereceram a vista de tal objeto.
Serão bastantes esses exemplos para confundir a nossa ingratidão? Será, porventura, mais digno de veneração o corpo do malvado Maomé, do que o Corpo de Jesus Sacramentado? Estará segura a honestidade dentro de um adoratório de gentis, e não diante de um Sacrário? Acham lugar o silêncio e a modéstia numa mesquita, e se hão de ver desterrados da casa do Deus de Majestade? Será que não se levantarão contra nós aqueles infiéis, no dia do Juízo, dizendo: Estes são os que fizeram da Igreja praça, do Templo, feira, do Santuário, casa de conversação? Nós assistimos com mais veneração ao sacrifício de um boi, do que eles ao Sacrifício de um Deus; tivemos mais respeito ao sepulcro de Maomé, do que eles ao Trono de Jesus Sacramentado. E que responderá então aquele moço lascivo, de cuja insolência estivera mais segura a casta donzela na praça do que no Sagrado Templo? Que responderá aquele soberbo, que por um vão pontilho de honra atreveu-se a lançar mão da espada diante de Deus Sacramentado? Que dirá aquela mulher profana, que não pensa em outra coisa em toda sua vida, a não ser em atavios e adornos para ser vista, e galanteia nas Igrejas, para ser laço a temerários corações, e pedra de escândalo a tantas Almas?
É coisa lastimosa, sem dúvida, ver o grande abuso de nossos tempos. Ver entrar os Católicos na Casa do Crucificado, na presença de Jesus Sacramentado, mais para fazer ostentação das galas do que para implorar o perdão de seus pecados. Ao invés de arrastar cadeias de compunção, como réus, cingir-se de diamantes e pérolas, como triunfadores. Ao invés de cobrir sua cabeça, como mandou o Apóstolo, por respeito e reverência dos Anjos, descobrir imodestamente os peitos, para dar gosto aos demônios. Onde estás, Santo Imperador Teodósio, que nunca entraste na Igreja sem tirar a coroa da cabeça e a espada do cinto? Onde estás, Santa Imperatriz Inês, que nunca foste vista aos pés do Santuário, senão vestida de pobres e desprezíveis
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