As quatro paixões naturais, e como elas devem ser guiadas e dispostas ou rejeitadas. Apresenta cada uma de modo especial e por que proceder assim.
§1° - Alegria, tristeza, esperança e temor são algumas das paixões naturais que todos nós temos; pois para qualquer um é natural alegrar-se com um bem presente, entristecer-se ao vivenciar algum mal, e esperar o bem e temer o mal. Mas, para servir a Deus, é preciso que saibamos como dominá-las ou guiá-las com pulso firme, pois podem causar muitos danos se as deixamos soltas, uma vez que essas paixões nunca deixam de agir em nossa alma, ora uma, ora outra; e podemos dizer que todos os males advêm da total liberdade que damos a elas para manifestar-se; mesmo nas pessoas espirituais causam grande dano, por pouco que se manifestem.
Quem realiza todas as obras interiores e exteriores por Deus, da maneira dita no segundo notável, e quem despreza a si mesmo como mencionado no segundo Capítulo desta segunda parte, conseguirá dominar com força essas paixões; por isso falaremos pouco sobre isso nesse momento; e veremos agora que conseguiremos dominá-las quando não consentirmos que um só de seus movimentos se mantenha na alma, salvo quando sabemos que é o que Deus quer, e porque assim Ele será servido. Todos os outros movimentos deverão ser afastados da alma de quem deseja percorrer um caminho seguro para Deus, como disse a Filosofia para Boécio nas últimas palavras do primeiro livro A consolação da filosofia: Si vis lumine claro cernere verum, gaudia pelle, timorem spemque fugato, nec dolor adsit. - Se queres com uma luz límpida discernir a verdade, renuncia à alegria, afasta os prazeres e também a dor. Devemos rejeitá-las quando não estiverem endereçadas desse modo a serviço de Deus.
Vejamos também que, para que as rejeitemos mais rapidamente, devemos aprender ou considerar que as coisas prazerosas que este mundo nos oferece são um verdadeiro mal, pela razão dita no parágrafo seguinte, e, consequentemente, devemos considerar todas as coisas dolorosas um verdadeiro bem, pois elas, sendo tribulações saudáveis, curam as chagas da nossa alma, e também pelas outras razões apresentadas em muitos momentos neste Capítulo. Assim, quem compreender isso e puser em prática, certamente cumprirá com rapidez o que disse Boécio e o que será dito a seguir em todos os parágrafos deste Capítulo.
Para tanto, também é muito necessário o sexto notável.
§2° - Falando de modo particular, embora brevemente, de cada uma dessas paixões, notaremos, começando pela alegria, que em nada devemos nos comprazer, salvo em Deus e em suas coisas, que são as que nos conduzem a Ele.
A razão disso é que, ainda que tenhamos muitos bens para nos alegrarmos em Deus e em Suas coisas, mal os veremos se nos deleitamos com outras coisas, pois menor será a nossa força para nos alegrar e amar quanto mais dividida estiver entre outros deleites e negócios. E deveríamos considerar que, por melhor que nos entreguemos inteiramente a Deus, sozinhos não bastamos para Ele; então, quanto menos ainda bastaremos divididos?
Devemos, portanto, em todo caso, fazer uma destas duas coisas: ou afastar de nós qualquer alegria assim que surgir, e para tanto é preciso ver o terceiro parágrafo do sexto notável; ou ordená-la em Deus, se não for uma alegria vã, e para tanto é preciso ver o segundo notável.
E a quem assim ordená-la, São Paulo aconselha: Gaudete in Domino semper; iterum dico, gaudete - Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos (Fp 4,4). Mas, para tanto, é preciso abrir os olhos, pois todos os dias nos são oferecidas mil alegrias vãs que precisamos afastar. Creio que não é necessário dar um exemplo disso, pois se trata de uma regra universal para toda alegria que não vem de Deus ou que não seja verdadeiramente direcionada a Ele.
Mas, ponderando melhor sobre tudo isso, para que possamos senti-Lo mais palpavelmente, observemos que, se devemos considerar mesquinhez o fato de que um rei muito rico tenha em tanta conta um pequeno pedacinho de prata, a ponto de, por ganância, alegrar-se muito com ele ou entristecer-se e sofrer se o perder, seremos ainda mais mesquinhos se, tendo sempre presente os bens infinitos que Deus tem para Si mesmo e também para nós, nos alegramos com outras coisinhas insignificantes que nos são oferecidas, como são todas as coisas do mundo, principalmente quando dizemos que O amamos mais que a nós mesmos, e, consequentemente, devíamos dar mais valor a Sua glória que a nossa, ainda mais porque sabemos que Ele a repartirá com quem magnificamente assim fizer.
O mesmo pode ser dito de quem sofre por causa de tudo o que pode perder ou acontecer no mundo que não seja pecado ou por causa dele, pois esse sofrimento nada é para quem tem tanto bem e glória, enquanto que tem muitos motivos para estar sempre alegre. Isso também será útil para a tristeza, que veremos a seguir.
§3° - Quanto à tristeza ou sofrimento, diremos que, do mesmo modo, não devemos consentir que se detenha na alma, salvo se decorrente do pecado. De nullo nisi de peccato doleas - não sofras por nada, senão pelo pecado, diz São Boaventura. Isso porque a tristeza é um sentimento decorrente de um mal presente ou de um bem perdido; e como o pecado é o único verdadeiro mal e nenhum bem se perde senão por causa dele, não há outra razão para que nos entristeçamos.
E, assim como ocorre com a alegria, podemos ainda dizer que quem tem muita razão sentir dor de consciência por causa do pecado, certamente faz mal em repartir suas forças sofrendo ou sentindo dor por outras coisas, pois todas as suas forças não bastam para sofrer quanto deve a dor desse pecado.
§4° - Mas, para que possamos afastar de modo excelente toda tristeza, devemos considerar e dizer a qualquer sofrimento que nos é oferecido: Que me importa o que me acontece, se é Deus, meu Senhor, quem o envia? Pois eu não pertenço a mim mesmo, e sim a Ele, e Aquele que é meu Senhor sabe o que me convém.
Isso significa que em todas as dificuldades que nos acontecerem devemos estar muito felizes, pelo tempo que durarem, como coisa que é devida a este homem que é propriedade de Deus. E não soframos mais do que aquilo que Deus, a quem pertencemos, nos ordena que soframos.
Se alguém perguntar quanto Deus manda que soframos, respondo que Ele quer que soframos tudo o que for inevitável sofrer, segundo a força do golpe; mas que também nos alegremos com esse mesmo sofrimento, tanto quanto durar, como de algo que recebemos da mão de Deus; e que, com essa alegria, procuremos também afastar esse sofrimento na medida do possível, porque Ele o quer e da maneira como sabemos ou pensamos que Ele quer. Assim, para afastarmos o sofrimento da doença, devemos buscar remédios; para afastarmos o sofrimento da fome, buscar o alimento; para afastarmos o sofrimento do frio, buscar o agasalho; e para afastarmos o sofrimento da perseguição - quando estiver, por causa de nossas poucas forças e virtudes, nos atrapalhando a servir a Deus -, é preciso viver muito a virtude, para com ela se fortalecer, ou fugir do perseguidor, se nossas forças não bastarem; além de outras luzes que Deus pode enviar para isso.
Mas devemos procurar esses remédios e tudo o mais que for necessário com alegre temperança, e porque Deus quer que os procuremos, para que, uma vez livres de tais sofrimentos, O sirvamos com mais tranquilidade; mesmo que tenha sido necessário passar por eles, tanto quanto fossem inevitáveis, e que nos alegrássemos com eles, pois Ele quis que assim sofrêssemos por muitas razões, sejam elas manifestas ou ocultadas de nós.
Não sei por que Deus não se entrega inteiramente, ainda nesta vida, a quem se entregou totalmente a Ele; mas, sendo certo que um dia se entregará, bem-aventurada será a vida desse homem, pois, sendo Deus inteiramente seu, ele gozará para sempre de seus infinitos bens e de Sua glória como se fossem riquezas próprias.
Oh! bem-aventurado o povo que conhecesse esse júbilo, pois não há palavras que possam descrever a alegria que sente em seu coração aquele cuja alma diz, não apenas com palavras, mas verdadeiramente de coração: Oh! quanto bem tenho, pois Deus, que é mais íntimo a mim do que eu mesmo, possui infinito bem, o qual, embora eu o veja imperfeitamente, sinto e considero mais meu do que todos os outros bens que considerava meus em outros tempos!
Não é da vontade de Deus que tentemos explicar isso com palavras; mas somente para nosso propósito se conclui que esse tão grande bem deve mover-nos de maneira que não sintamos de outro modo as nossas dores, mas como acabamos de dizer; pois nada mais devemos querer para nós mesmos, senão o que Sua Majestade ordenar e da maneira como o dispuser, pela razão e maneira explicada acima. E devemos meditar frequentemente em cada palavra desse acréscimo, pois é grandioso e de muita perfeição.
O servo de Deus precisa, portanto, estar preparado para afastar rapidamente, por meio dessas considerações, os diversos sofrimentos ou tristezas que as misérias e desgostos desse mundo oferecerão; e, para tanto, são muito necessários os atos descritos no sexto notável, no parágrafo terceiro, recorrendo ao não-querer, conforme ali se diz, tantas quantas vezes passar por uma tristeza ou sofrimento; ou, falando com mais propriedade, deve, com a vontade, querer as coisas que causam essas dores, sofrimentos ou desgostos; porque, uma vez desejadas, afasta-se a dor que antes era causada pelo repúdio.
E é muito justo que desejemos essas coisas que nos causam tais desgostos, pois, além de nos serem dadas pelas mãos de Deus, nós as merecemos por causa de nossos pecados, como disse o santo Jó (cf. Jó 1,21;2,10), e delas podemos tirar mil proveitos.
Desse modo, devemos considerar como regra que o leal servo e amigo de Deus deveria de muito bom grado afastar ou direcionar a Deus a alegria e a tristeza, conforme foi dito, para que com nada mais se ocupe senão com Deus; e que, para aperfeiçoar-se nesse desprendimento, deveria acostumar-se a ser castigado e fazer um ato de contrição sempre que algo prazeroso lhe for oferecido, e, ao contrário, alegrar-se sempre que lhe sobrevém algum sofrimento. E de fato é muito justo que sofra quando se oferece um prazer e que se alegre quando se oferece um sofrimento aquele que ofendeu e afastou Deus de sua alma, entregando-a ao demônio. É com esse sentido que se deve compreender o seguinte versículo: Gaudium pro poena dolorque pro Gaudio sint tibi semper.
Assim fará com maior perfeição aquele que reconhecer com maior clareza que todas as coisas são insignificantes em si mesmas e para nós, salvo se forem, por si mesmas ou por nós, endereçadas a Deus; e embora todos digam que sabem disso, será chamado bem-aventurado na terra quem verdadeiramente assim souber e sentir.
§5°- Quanto à paixão que se chama esperança, é preciso se atentar que não é a mesma coisa que a virtude da esperança, pois nem todos têm a virtude da esperança, já a esperança que
é uma paixão está naturalmente presente em todos, tanto cristãos como não cristãos, e, assim como é natural em todos sentir alegria e medo, vemos que tanto os cristãos quanto os mouros esperam muitas coisas.
Sobre essa esperança que não é virtude, mas uma paixão comum a todos, saibamos que, embora tenhamos uma aptidão natural para esperar muitas vezes e muitas coisas, nada do que esperamos deve se fincar em nosso coração, a não ser Deus e as coisas que acreditamos que nos farão servi-lo melhor; porque tudo o mais devemos considerar nada, como acabamos de dizer acima. E se vemos que a esperança de algo se arraiga mais em nosso coração do que a bem-aventurança ou virtudes que esperamos de Deus, é preciso afastá-la, pois isso causa a desordem.
§6º - Do mesmo modo, devemos afastar todo temor que não for de Deus, pela razão dita pelo salmista: Dominus illuminatio mea et salus mea; quem timebo? – O Senhor é minha luz e salvação, a quem temerei? (SI 26,1). Também disse o Filho de Deus: Nolite timere eos qui occidunt corpus, timete autem eum qui potest corpus et anumam perdere; hunc timete - Não temais aqueles que matam 0 corp0, mas não podem matar a alma; temei antes Aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena (Mt 10,28). Ou seja, é preciso que tenhais muito medo de aborrecer e ofender a Deus, e não há para Ele ofensa maior que vos entregar às ocasiões de pecado e lançar o vosso corpo e alma no inferno. Por isso Deus diz: Heu, vindicabor de inimicis meis - Eu me vingarei de meus inimigos (Is 1,24).
É muito justo que temamos esse grandioso Deus, com temor filial, pois deveríamos antes desejar perder a visão que fazer algo que desagrade a tão grandioso Pai e Senhor, e temer isso mais do que qualquer outra coisa, pois somente Ele pode dar a morte e a vida para sempre. Não há porque temer nenhuma outra coisa, pois, ainda que nos venham tanto quantos desastres podem acontecer nesse mundo, se não os temermos, não nos farão mal algum, antes, se mostrarmos boa cara e os recebermos de boa vontade porque Deus nosso Senhor quer que os soframos em memória do que Ele sofreu por nosso bem, serão para nós motivo de engrandecimento e nos trarão a glória perpétua. Assim, estando preparados para dar pouca importância ou considerar uma joia preciosa os sofrimentos do mundo, ao sentirmos algum temor recorramos logo à vontade para despedi-lo, para que não ocupe o lugar em que o temor reverencial Deus deve sempre estar. Para tanto, também é preciso recorrer ao sexto notável.
Quem assim governar essas paixões, certamente viverá sem paixão e com abundância daquela paz que faz com que os pacíficos sejam chamados filhos de Deus.
Frei Alonso de Madri
É de suma importância conhecermos mais sobre como rejeitarmos as paixões da alma que nos prendem às coisas vãs deste mundo e enfraquecem a nossa fé.
Por este meio das paixões desenfreadas, o demónio mergulha os filhos de Deus num abismo de escuridão que impede-os de enxergar a realidade espiritual de uma vida na graça.
À medida que adentrarmos neste tema, reflitamos em nossa vivência diária e analisemos à luz do Divino Espírito Santo se ainda temos de lutar mais para combater essas paixões que provém da nossa própria miséria e de uma infrutífera vida espiritual.
Aprendamos com os que trilharam uma vida exemplar quanto à este combate e os grandes mestres espirituais que tanto têm a nos ensinar.
Finalização de Claudia Pimentel dos Conteúdos Católicos
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