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Como é possível perseverar na oração


Quanto à primeira, alguns - vendo a dificuldade que havia nesta continuação e perseverança da oração pelas muitas ocupações desta vida - disseram que esta ocupação se devia entender do bem agir, que se deve fazer continuamente; porque muito bem ora quem sempre faz o bem. Por isso, sem dúvida, muito boa oração é a boa obra; porque como o exercício da oração se ordene principalmente para este fim, quem sempre faz boas obras, sempre faz oração.

Mas não é isto o que naquelas palavras quis significar o Salvador, pois o seu propósito e o seu contexto não fala de bem agir, mas de orar; como isso parece, pelo exemplo da mulher que sempre importuna ao juiz pedindo justiça. E, para além disso, se ele quisesse significar isso, bem saberia dizer: Convém sempre bem obrar, e não: «Convém orar sempre.»

E, por esse motivo, se deverá entender à letra este passo com todos os sobreditos da oração e na impossibilidade do mandamento, não há que altercar; porque por aqui não nos é mandada uma coisa impossível, mas possível: que é orar com toda a instância e continuação que melhor possamos, renunciando e abandonando a todas as outras coisas que não forem de Deus, quando nos impeçam este exercício. E esta é uma maneira de falar muito usada, que se diga fazer sempre o que se faz em todo o tempo que se pode de boa vontade fazer. Como quando se diz do varão justo que pensa na lei de Deus dia e noite, não entendemos esta continuação como a entenderia um matemático, mas apenas como o uso

comum a costuma entender, ou seja, que o faz com toda a continuação e perseverança que, de boa vontade, pode fazer. Mas esta continuação é maior do que aquela sobre a qual pensam os homens carnais; porque, se um homem, tocado pelo amor do dinheiro ou pela formosura de uma mulher, anda sempre a pensar naquilo que ama e, nem de dia nem de noite, nem velando nem dormindo, pode afastar de si esse pensamento, embora de vez em quando trabalhe nesse sentido, quanto mais não será que a alma, tocada pelo amor daquela formosura divina, mal possa desviar os seus olhos dela e tenha sempre o seu

coração onde tem o seu tesouro?


Outros há que regulam o tempo da oração como a quantidade dos medicamentos. Porque assim como o medicamento se tem de tomar em quantidade suficiente para vencer o mal e recuperar a saúde, assim também como a oração é um medicamento espiritual com o qual se curam as chagas da alma tanto será necessário tomar deste medicamento, quanto baste para curar estas chagas e cobrar alento para bem viver. E por esta razão não se pode propor

uma medida para todos; porque, conforme estejam mais ou menos domadas as paixões de cada um e conforme sejam maiores ou menores as ocasiões de perigos em que se anda, assim é maior ou menor a necessidade que se tem desta virtude. Porque, por experiência se vê, que assim como há umas terras que sofrem melhor a secura dos temporais do que outras e que com pouca água dão o seu fruto e outras, pelo contrário, ao lhes faltar a água logo se arruínam e se secam: assim também há alguns corações de tão boa índole, ou tão providos da graça divina, que com pouquinha oração andam bem dispostos e concertados; e outros, pelo contrário, tão belicosos e tão mal inclinados, que vindo a faltar-lhes este beneficio, logo perdem aquele frescor e alento espiritual que tinham. E, em relação a estes,

não se pode negar senão que têm maior necessidade do socorro desta virtude: assim como as pessoas mais enfermas têm maior necessidade do uso dos medicamentos. E a mesma necessidade que provoca os perigos de dentro, essa também provoca os perigos de fora; porque, assim como é necessário que ande mais resguardado o que anda em terras inimigas que amigas e mais abrigado o corpo no tempo do Inverno do que no Verão; assim convém que ande mais armado de oração o que vive em ocasiões de perigos, que aquele que está fora deles; conforme o ensinou o Salvador aos seus discípulos, aos quais mandou velar e orar com maior cuidado quando era um tempo de maior perigo.


Frei Luís de Granada


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