Reflexões. O ponto de partida é sempre o estado de graça. É preciso sair do pecado e revestir a caridade para viver a vida cristã. Mas com esta caridade inicial, tereis ainda diante de vós três vias, as do temor, da esperança e do amor. Chamamo-las assim em virtude da ação que as caracteriza. Não é preciso, porém, que um destes motivos exclua absolutamente os outros dois, pois, de outro modo, as duas primeiras vias não seriam boas, não tendo então lugar o exercício da caridade; e a terceira via seria contrária aos princípios da fé e ao vosso estado presente de viajantes, no que excluiria a esperança.
Mas na primeira, o motivo do temor é o que atua mais frequentemente e que faz uma mais forte impressão. Na segunda, é o motivo da esperança, na terceira, o da caridade.
Ninguém é mestre, pelo menos no princípio, para escolher a sua própria via. Há almas que Nosso Senhor conduz pelo temor, outras que atrai a si pela esperança, outras que prende a si pelo amor.
O Salvador. - Sim, mas a minha intenção é que, no progresso do caminho, o amor prevaleça sempre mais, que modele e mesmo que bana enfim o temor, sobretudo o temor servil, que enobreça e purifique a esperança. Eu disponho o coração a isso pouco a pouco, se é fiel; e o dever das almas é secundar nisto o operador da minha graça que tende a fazê-las avançar no cumprimento do grande preceito do amor: o que Eu quero são os corações.
Sobre a via do temor
A via do temor é extremamente útil nos começos da vida cristã. É necessária para retirar o pecador dos seus hábitos.
A juventude, cujas inclinações são violentas, tem muita necessidade disto.
As almas levadas por esta via são muito tocadas pelo rigor dos juízos divinos, dos suplícios do inferno, e por todas as verdades terríveis da religião. Deus serve-se do temor para deter o ímpeto das paixões, para contrabalançar a atração sedutora dos objetos sensíveis, para prevenir a alma contra as ocasiões e os perigos que encontra e para lhe servir de freio quando é pressionada por violentas tentações.
Mas acontece muitas vezes que as almas movidas pelo temor o levam para lá dos limites que Deus lhes marcou, e se fixam nesta via, e não gostam de ler ou de meditar senão nos temas que a ele conduzem. Há um inconveniente. Nosso Senhor não pode então elevar
estas almas ao seu amor como quereria.
O temor é mais próprio para afastar do mal do que para levar ao bem. Pelo menos, se leva a praticar o bem, é unicamente aquele que é de obrigação estrita e rigorosa.
O temor comprime o coração, nem vê o que de amável a virtude tem, não leva à generosidade. Pode conduzir uma alma à salvação, mas não à santidade.
O temor não suaviza o jugo divino, mas deixa sentir todo o seu peso. A alma que se deixa dominar pelo temor do serviço divino não toma senão o que lhe parece de estrita obrigação e nele se arrasta penosamente. Não encontra nele nem doçura, nem consolação, nem encorajamento. A alegria do Espírito Santo é-lhe desconhecida, é triste, desgostosa e
inquieta, e muitas vezes tentada a tudo abandonar.
Finalmente, o temor deixa demasiado espaço ao amor próprio. Faz-vos considerar as grandes verdades da religião unicamente em relação a vós mesmos e ao vosso interesse pessoal. Degenera num temor servil, muito pouco sobrenatural, que tem menos horror ao pecado que ao castigo que se lhe segue, e que considera menos a ofensa a Deus do que a infelicidade eterna que daí resulta para o pecador.
Este temor seria mesmo insuficiente e incompatível com a caridade, se a apreensão da pena fosse o único motivo que vos afastasse do pecado.
O Salvador. - Quis acentuar isto na parábola dos talentos. Falei de um servo que recebeu um talento e que, por temor em prestar contas, enterra o seu talento com medo de o
perder. Só tem no coração o temor, um temor servil e não faz frutificar o talento do seu senhor. Assim, no seu regresso, o senhor recebe severamente o seu servo inútil, retoma o seu talento e manda-o lançar nas trevas exteriores onde há choro e o ranger de dentes. Eis aonde o temor pode conduzir, quando é dominado pelo amor próprio.
A via da esperança
A esperança cristã tem grandes vantagens sobre o temor.
Eleva o coração, anima-o a praticar a virtude, encoraja-o a vencer as dificuldades pela visão da recompensa. Leva-o mesmo a fazer e a sofrer grandes coisas para a merecer e acrescentar. Aqui estão, de fato, grandes vantagens, e não é em vão que o vosso Deus, conhecendo a vossa repugnância pelo bem, quis excitar-vos e suster-vos pela grandeza do prémio que vos espera no fim da carreira.
Mas como estais naturalmente interessados, é de temer que a alma conduzida pela via da esperança não dê a este motivo mais atenção do que merece, e de um modo que prejudique o amor. Está exposta a tornar-se mercenária, fixando mais o seu olhar na recompensa do que na bondade divina mesma que se empenhou em vo-la dar. Pensa menos em agradar a Deus do que em conquistar méritos; conta por assim dizer com Deus e põe preço aos seus serviços.
Esta alma está também sujeita a retirar glória do que faz para além do necessário para ganhar o céu; a apoiar-se mais sobre as suas boas obras do que sobre os méritos de
Nosso Senhor; a presumir que, depois de tudo o que fez e sofreu, a recompensa lhe está garantida.
O amor próprio faz referir a si mesma a posse eterna de Deus. Considera esta posse menos por relação a Deus que se glorificará nela, do que por relação à sua própria alegria e à felicidade que daí advirá. Numa palavra, o que ela ama na felicidade celeste é mais o seu contentamento e a sua saciedade, do que o bom agrado de Deus.
Sem dúvida que em tudo isto não há nada que interesse essencialmente a caridade; ela fica na realidade enfraquecida, a sua pureza sofre com isso, e há muita imperfeição em ocupar- se assim muito mais com o seu próprio interesse do que com o de Deus.
O Salvador. - Se o motivo da recompensa é aquele que mais fortemente age sobre vós até aqui, pertence a vós ver, na minha presença, se não tendes de vos censurar muitas das imperfeições que acabais de considerar, e se não deveis trabalhar para delas vos purificardes, voltando-vos mais para o lado do amor e dando ao seu motivo toda a
preponderância que merece.
Como é mais elevada e mais pura a via do amor! Coloca Deus no seu lugar e faz d' Ele verdadeiramente o mestre, o centro e o ideal de tudo; e faz das criaturas como uma corte
atenta e diligente, toda dedicada ao senhor que ama e do qual tudo recebe. O temor e a esperança mais não devem ser do que auxiliares; a caridade é que é a rainha e a mestra da vida interior, e foi para vos ajudar a viver desta vida de amor que vim oferecer-vos uma fonte nova de amor manifestando o meu Coração à bem-aventurada Margarida Maria.
Afetos e resoluções
Ó meu bom Mestre, estou confuso por vos ver servido tão mal até ao presente, e sempre por motivos tão imperfeitos. Vinde, enchei o meu coração com o vosso amor, para que
não pense mais noutra coisa que não seja em vos servir por amor. A vossa beleza infinita, as vossas bondades incessantes a isso me convidam e me pressionam. Tomai o meu coração e
nunca mais o deixeis ser ingrato.
Jesus veio para que nós o sirvamos sem temor na santidade e na justiça, sob os seus olhos (Lc 1).
A caridade foi derramada nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5).
Vós não recebestes o espírito de servidão no temor, mas o espírito de adoção dos filhos, no qual nós clamamos: Abba, meu Pai (Rm 8).
Dos escritos do Padre Léon Dehon
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