A vontade, Teotimo, domina a memória, o entendimento a imaginação, não pela violência
mas pela autoridade, de forma que nem sempre é obedecida, como nem sempre o é o pai de família pelos seus filhos e pelos seus servos. Ora acontece o mesmo com o apetite sensual, que, como diz Santo Agostinho, em nós, pecadores, tem o nome de concupiscência e está sujeito à vontade e ao espírito, como a mulher a seu marido; porque,
assim como foi dito à mulher: Tu estarás no poder do teu marido e ele te dominará, também foi dito a Caim que a sua concupiscência se voltaria contra ele, mas que a podia dominar e submeter. «Ó homem, diz São Bernardo, está na tua mão, se quiseres, fazer do teu inimigo teu servo, de forma que todas as coisas volvam em teu benefício: O teu apetite está debaixo do teu domínio e o subjugarás. O teu inimigo pode excitar em ti o sentimento da tentação, mas tu podes, se quiseres, dar-lhe ou recusar-lhe o consentimento». Se permites ao apetite que te conduza ao pecado, então ficarás sujeito a ele e ele te subjugará, porque todo aquele que comete o pecado é escravo do pecado; porém, antes que o cometas, enquanto ainda não está em teu consentimento, mas só em teu sentimento, quer dizer que só está em teu apetite e não na tua vontade, o teu apetite está sujeito a ti e tu o subjugarás. O imperador, antes de ser elevado à dignidade imperial, depende dos eleitores, que dominam sobre ele, podendo escolhê-lo ou rejeitá-lo; mas uma vez eleito, fica desde logo governando e domina sobre eles. Antes da vontade dar o consentimento ao apetite, domina sobre ele; porém, depois do consentimento, a vontade torna-se sua escrava.
Em suma, este apetite sensual é na verdade um súbdito rebelde, sedicioso, inquieto; e devemos confessar que não poderemos nunca desfazer-nos dele, de maneira que não ataque e assalte a razão.
Contudo, a vontade é tão superior que, se quiser, pode aniquilá-lo, derrubar os seus projetos e repeli-lo, não consentindo nas suas sugestões. Não se pode impedir que a concupiscência nasça na alma, mas sim que produza e consuma o pecado. Esta concupiscência ou apetite sensual tem doze movimentos pelos quais, como outros tantos capitães amotinados, levanta a sedição dentro do homem.
Estes movimentos sensuais, de ordinário, inquietam a alma e agitam o corpo; enquanto
desassossegam a alma, chamam-se perturbações; enquanto comovem o corpo, chamam-se paixões, segundo diz Santo Agostinho. Todos têm em vista o bem e o mal; aquele para o adquirir, este para o evitar. Se o bem é considerado em si mesmo, segundo a sua natural bondade, excita o amor, primeira e principal paixão; se o bem está ausente, provoca-nos o desejo; se, sendo desejado, julgamos poder obtê-lo, concebemos a esperança; se pensamos não o poder obter, sentimos o desespero; mas quando o possuímos, enche-nos de alegria. Ao contrário, apenas conhecemos o mal, aborrecemo-lo; se está ausente, fugimos dele; se julgamos que o não podemos evitar, tememo-lo; se cremos que o podemos evitar, afoitamo-nos e animamo-nos; mas se o sentimos presente, afligimo-nos, e então a ira e a cólera acodem repentinamente para rejeitar e repelir o mal, ou pelo menos
vingar-nos dele. Se não conseguimos afastá-lo, ficamos tristes; se o repelimos ou logramos vingar-nos, sentimos o contentamento e a satisfação que causa o prazer do triunfo; porque, assim como a posse do bem regozija o coração, a vitória contra o mal alimenta a coragem. E sobre toda essa multidão de paixões sensuais a vontade mantém o seu império, rejeitando as suas sugestões, repelindo os seus ataques, impedindo os seus efeitos e, por
fim, recusando-lhes o consentimento, sem o qual não a podem prejudicar e com cuja recusa ficam vencidas, abatidas, enfraquecidas, extenuadas, reprimidas e, se não completamente mortas, pelo menos amortecidas ou mortificadas.
É para exercitar a nossa vontade na virtude e força espiritual que esta multidão de paixões existe nas nossas almas, Teotimo; de sorte que muito se enganavam os estoicos quando afirmaram que elas não se encontram no homem prudente; tanto mais que o que negavam com as suas palavras o praticavam em seus atos, como refere Santo Agostinho, na seguinte interessante história.
Tendo Aulo Gélio embarcado com um célebre estoico, sobreveio uma grande tempestade que o atemorizou; empalideceu, enfiou e tremia tanto que se tornou notado por todos os que estavam no navio e curiosamente o observavam, apesar de se acharem no mesmo perigo. Pouco depois, o mar acalmou-se, o perigo passou e daí os passageiros começaram a rir-se e a escarnecer uns dos outros do medo que tiveram. Então, um passageiro da Ásia,
dirigindo-se ao filósofo, censurou o susto que manifestara, tornando-se lívido e desfigurado durante o perigo, enquanto ele, ao contrário, se conservara forte e destemido. O estoico replicou contando o que Aristipo, filósofo socrático, tinha respondido a um homem que pelo mesmo motivo o havia mofado: «fizeste bem, lhe disse, em te não teres inquietado pela sorte da alma dum perverso trapaceiro como tu; porém, eu faria muito mal se não receasse a perda da alma de Aristipo». O melhor da história é ser o próprio Aulo Gélio, testemunha ocular, quem a refere. Enquanto à réplica que ela encerra, o estoico que a deu provou mais a sua finura do que a sua razão, porque, citando um companheiro do seu susto, provou por duas irrepreensíveis testemunhas que os estoicos eram suscetíveis de ter medo, e do medo que manifesta os seus efeitos nos olhos, no rosto e na atitude, o que por consequência se torna uma paixão.
É grande loucura querer afetar indiferença quando é impossível! A Igreja condenou a louca
doutrina que certos anacoretas presunçosos quiseram introduzir e contra os quais a Escritura, mas sobretudo o grande Apóstolo, clama, dizendo que temos em nossos corpos uma lei que repugna à lei do nosso espírito. «Entre nós, cristãos», diz o grande Santo Agostinho, «conforme refere a Escritura Sagrada e a sã doutrina, os cidadãos da Santa Cidade de Deus, peregrinando neste mundo, segundo os desígnios da Providência, temem, desejam, lastimam-se e regozijam-se». Sim, o próprio Rei soberano desta Cidade temeu, desejou, lastimou-se e rejubilou; chorou, tornou-se lívido, tremeu e suou sangue, posto que n'Ele estes movimentos não fossem paixões iguais às nossas, movimentos que o grande São Jerónimo, e depois dele os escolásticos, não ousaram apelidar de paixões, em reverência à pessoa em que eles se manifestavam, antes lhes deram o nome respeitoso de propaixões, para testemunhar que os movimentos sensíveis em Nosso Senhor ocuparam n'Ele o lugar de paixões, se bem que não fossem paixões; tanto mais que não tinha absolutamente nada a sofrer por parte delas, senão o que fosse do seu agrado e como lhe aprouvesse, governando-as e dirigindo-as à sua vontade: o que nós, pecadores, não podemos fazer, porque sofremos e suportamos esses movimentos desregrados contra a nossa vontade e com grande prejuízo da boa ordem e tranquilidade das nossas almas.
São Francisco de Sales
Este grande Doutor da Igreja nos relata com a sua peculiaridade de mestre espiritual, como o domínio da nossa vontade é decisiva para as nossas escolhas que podem ser positivas ou não.
Devemos nos moldar das virtudes e da prudência que nos norteará nas decisões da nossa vida.
O prudente conquistará resultados mais satisfatórios, pois que, pondera as suas atitudes e não age impulsivamente.
Lutemos destemidamente à cada batalha em Jesus Cristo que, tudo enfrentou de ruim e saiu vitorioso, dando-nos os Seus exemplos de não deixarmo-nos dominar pelas paixões.
Ele se fez humano como nós, exceto no pecado, e evidentemente que, sendo divino, provou que a nossa natureza mortal não se pode desviar do bem e ceder ao que não vem do alto - em se tratando de ser homem como nós - deixando-nos inúmeros relatos nas Sagradas Escrituras que abordam o tema em questão.
Nosso Senhor cita bastante a palavra sensato que quer dizer cauteloso, equilibrado e sábio.
Ajamos com sabedoria para evitarmos que a nossa vontade ceda às paixões que nos afastam de Deus.
Finalização de Claudia Pimentel dos Conteúdos Católicos
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O amor não é senão o desejo e assim, o desejo é o princípio original de que todas as nossas paixões decorrem como os riachos da sua origem, por isso, sempre que o desejo de um objeto se acende nos nossos corações , pomo-nos a persegui-lo e a procurá-lo e somos levados a mil desordens. Podemos mudar de paixões, mas não vivemos sem elas.