«O coração prudente possuirá a ciência.» (Provérbios 18, 15)
«No coração do prudente repousa a Sabedoria.» (Provérbios 14,33)
I. PRUDÊNCIA: O QUE É, E O QUE NÃO É
1. O que não é
Muitas pessoas têm uma visão míope: reduzem a prudência à simples "cautela". O
cuidado para evitar um mal - a cautela - é algumas vezes um aspeto da virtude da
prudência; mas muitas outras é exatamente o oposto dessa virtude.
Repare que as duas principais palavras que expressam a cautela são negativas:
"cuidado" e "não".
• Tome cuidado ao atravessar a rua.
• Não saia sozinha à noite.
• Não confie nesse seu sócio.
• Não arrisque a comprar uma moto.
• Não exagere nas doações e caridades, que eles acabam abusando.
• Cuidado com o que posta no Facebook.
• Cuidado com tantas idas à igreja, que vai virar carola.
Nessa sinfonia cacofônica de "cuidado" e "não", algumas frases merecem o nome de prudência, mas outras não. Ora, repare que, nem uma só delas, nem todas elas em conjunto, são capazes de nos oferecer um ideal de vida. Não apontam para nenhuma
realização, nenhuma conquista, nenhuma melhora, nenhuma perfeição.
Ninguém se realiza na base de medos e cautelas. Por isso, o Catecismo da Igreja Católica afirma que a virtude da prudência «não se confunde com a timidez ou o medo». (n. 1806).
2. Então, o que é?
Veja como é clara a definição de prudência que nos dá o Catecismo: «A prudência é a virtude que dispõe a razão prática a discernir, em qualquer circunstância, o nosso verdadeiro bem e a escolher os meios adequados para realizá-lo». (n. 1806).
Grave bem essas palavras, que nos deverão ilustrar ao logo deste artigo. E não perca de vista que a prudência visa principalmente realizações práticas, "a realização do verdadeiro bem".
- A definição começa dizendo que é uma virtude que tem como base a razão prática, não o raciocínio puramente teórico. A prudência, com efeito, visa à realização das ações sobre as quais temos que pensar e decidir, não à resolução de teoremas.
- É uma virtude que leva a discernir, ou seja a conhecer e distinguir claramente - limpando confusões mentais - qual é a ação certa que se deve praticar.
- Mas o discernimento da prudência tem um norte: o nosso verdadeiro bem, pois - como veremos adiante - pode haver objetivos errados e bens enganadores. Refere-se, portanto, ao bem moralmente objetivo. Um bem que tanto pode consistir na boa ação de ajudar uma velhinha a atravessar a rua, como no bom encaminhamento de um empreendimento comercial ou de uma entidade religiosa.
Se não procurássemos o bem moral objetivo, a prudência se perderia num mato fechado onde o bem e o mal não se poderiam distinguir; seria como aquela «selva oscura» onde Dante se achava extraviado, porque «la diritta via era smarrita», porque tinha perdido o caminho reto.
- Uma vez discernido o verdadeiro bem, a prudência leva, então, a escolher os meios adequados para realizá-lo. Como a prudência é prática, a pessoa, depois de dizer
"quero fazer isso", pergunta-se "como vou fazê-lo?"
- Finalmente, com os meios bem escolhidos, chega o momento de decidir-se a agir, a fazer.
Em pouquíssimas palavras, Santo Tomás de Aquino, inspirando-se em Aristóteles, resume tudo isso dizendo: «A prudência é a regra certa da ação.»
3. É a primeira das virtudes?
Os pensadores clássicos pagãos e cristãos dão à prudência uma precedência sobre as outras virtudes morais (justiça, fortaleza, temperança...). Não dizem que seja a "maior" das virtudes. A maior virtude humana é a justiça; e a maior de todas as virtudes, em seu conjunto, é a virtude teologal da caridade: «Se não tiver caridade, nada sou.» (1 Cor 13, 2).
Contudo, diz-se que a prudência tem precedência sobre todas as outras virtudes neste sentido: ela é a "moderadora" de todas elas. Guia, orienta as outras virtudes para o seu próprio fim, ajudando-as a manter-se no ponto certo, no "ponto médio" do equilíbrio moral, evitando assim que descambem para a insuficiência ou para o exagero. Por isso Santo Tomás a chama «a mãe das virtudes».
A expressão "ponto médio" é correta mas perigosa, pois pode levar a confundir equilíbrio com mediocridade. Os comentaristas cristãos, para evitar essa distorção, recorrem a uma imagem expressiva: o ponto médio moral é um cume que se eleva entre dois abismos. Por exemplo, a coragem - que como todas as virtudes deve aspirar à perfeição máxima - é um cume entre os abismos da covardia e da temeridade insensata.
A ética tradicional define essa função diretiva da prudência dizendo que ela é auriga virtutum, literalmente, condutora (auriga, em latim) do carro das virtudes.
Talvez você se lembre das corridas de quadrigas (quatro cavalos) ou de bigas (dois cavalos) ou que aparecem no filme "Bem Hur"? Enquanto o auriga tem domínio das rédeas, o carro avança velozmente pela pista certa, e pode chegar em primeiro lugar.
Mas, se o condutor solta as rédeas ou puxa por elas desajeitadamente, por bons que sejam os cavalos o desastre é inevitável. A mesma coisa acontece com as virtudes que não têm as rédeas nas mãos da prudência.
Com seu toque poético, Paul Claudel dizia: «A prudência está no Norte da minha alma, como a proa inteligente, que conduz todo o navio».
4. Os quatro atos da prudência
Seguindo o ensinamento de Santo Tomás de Aquino, podemos distinguir quatro atos da prudência:
• A reflexão
• O juízo (julgamento de valor, e julgamentos práticos)
• A decisão
• A realização
Como escreve Josef Pieper, glosando Santo Tomás, a prudência não consiste apenas no conhecimento objetivo do "verdadeiro bem" numa determinada situação.
Trata-se de um conhecimento que logo «se transforma numa decisão prudente, decisão
que por sua vez conduz à realização».
Esses são os passos da virtude da prudência, que vamos meditar:
II. PRIMEIRO, A REFLEXÃO
1. O humus da reflexão
Num bom humus, a planta vinga e cresce. A prudência também precisa de uma boa terra para realizar bem seu primeiro ato: a reflexão. Uma reflexão que, na vida prática, pode se fazer às vezes em questão de segundos, e outras vezes exigirá bastante tempo e a possibilidade de consultar.
Pensar não é fácil. Romano Guardini, falando do "homem disperso" dos nossos dias, escreve: «Sempre anda ocupado em alguma coisa. Quando não existe algum objetivo que o impressione, algum estímulo que o empurre ou algum incentivo que o acorde, toda a sua atividade se desvanece e apenas existe nele um surpreendente vazio».
É preciso aprender a pensar, a utilizar a «razão prática», aquele raciocínio que esclarece os problemas e equaciona as situações da vida, tanto da nossa vida interior quanto da nossa vida exterior.
2. Os inimigos da reflexão
- A preguiça de pensar. Custa vencer a dificuldade de pensar nos problemas, nos deveres e projetos, com interesse e aplicação, especialmente quando se trata do projeto familiar, dos problemas dos filhos, da perfeita realização do trabalho ou do nosso amadurecimento espiritual. Não achamos tempo para refletir. Umas vezes por cansaço, outras vezes porque é complicado, outras por mau humor, e sempre por preguiça.
- A afobação da urgência. A ansiedade, a aflição por definir ou resolver algum assunto urgente facilmente encampa o raciocínio, que deveria ser sereno e não precipitado. Certo que há emergências que aparecem de surpresa, e só deixam uns minutos para rezar e decidir. Mas muitas outras vezes a urgência que nos rouba a reflexão é fruto de adiamentos indevidos ou de faltas de previsão ou de ordem, que deveríamos corrigir.
- O preconceito e a teimosia. Em empresas familiares, em entidades educativas tradicionais e em outras iniciativas, já aconteceu mais de uma vez que aquele que iniciou o empreendimento fique preso àquilo que, muitos anos atrás, o levou ao sucesso. Vai
passando o tempo, e não se dá conta de que as circunstâncias, o mercado, o sistema
empresarial, a cultura, etc, mudaram. Os filhos, os "jovens sucessores", querem renovar o
empreendimento, mas o "velho" agarra-se a seus pré-conceitos. Com essa obstinada
teimosia, o barco ameaça encalhar.
- A vaidade presunçosa. Há quem se idolatre a si mesmo de tal modo, que não é capaz de valorizar nem de ouvir ninguém: nem na família, nem no trabalho. Fala "pontificando", impõe as coisas sem diálogo, desvaloriza o parecer dos demais. Assim se dispensa de refletir, e deixa de se enriquecer com as ponderações valiosas dos outros.
3. Os amigos da reflexão
Há uma série de hábitos bons, que - ao contrário dos anteriores - propiciam o exercício da reflexão, esse primeiro passo da virtude da prudência. Trata-se de hábitos de base, que vale a pena cultivar, e que devem ser exercitados perseverantemente:
- O hábito da leitura. Quanto mais e mais constantemente lemos, mais rico fica o nosso raciocínio. E vice-versa, a falta de leitura empobrece a mente. Refiro-me à leitura de obras de qualidade cultural, que se torna hábito diário ou quase: livros clássicos, históricos, romances, biografias, ensaios, crônicas, etc. Grande inimigo desse hábito bom é o vício de saltitar pelo mundo da Internet, bicando aqui e acolá como um tico-tico por mera curiosidade superficial.
Para um cristão, além da Bíblia, há um tesouro de livros de reflexão teológica, de meditação, de espiritualidade, que dilatam os horizontes do conhecimento de Deus e de nós mesmos, e desvendam valores importantes para cada dimensão da vida pessoal e social. Tomara que dedicássemos um tempo diário a essas leituras. Já vi acontecer coisas surpreendentes a homens de empresa de grandes responsabilidades: acharam orientações decisivas, não em grandes estudos econômicos, mas na leitura da vida de um santo (de um santo que nem sabia o que era uma conta bancária).
- A memória. Nunca ouviu uma reclamação deste tipo: "Você não se lembrou?"
"Você não sabia que não dava?" "Sempre cai na mesma!" "Nunca vai aprender!". É muito
velho - e muito atual - o ditado que diz: "O homem é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra". O bom uso da memória pode criar em nós o acervo cada vez mais rico da experiência.
Não me refiro à experiência da pessoa que ficou traumatizada por um fracasso e agora teme qualquer iniciativa: "gato escaldado, foge da água fria". Isso é só psicose ou covardia. A memória "reflexiva" sobre os sofrimentos e fracassos é um mestre de obras experiente que orienta na edificação da vida.
- A humildade de pedir conselho. É uma disposição importante da pessoa prudente. «No que diz respeito à prudência - escreve Santo Tomás - ninguém se basta a si mesmo». Quatro olhos dispostos a ver enxergam mais do que dois. Ás vezes vamos precisar de mais de dois pares de olhos. Só o vaidoso autossuficiente acha humilhante pedir conselho a quem o pode dar.
«O primeiro passo da prudência - escreveu São Josemaria - é o reconhecimento das nossas limitações: a virtude da humildade. É admitir, em determinadas questões, que não aprendemos tudo, que em muitos casos não podemos abarcar circunstâncias que
importa não perder de vista à hora de julgar. Por isso nos socorremos de um conselheiro.
Não de qualquer um, mas de quem for idôneo [...]. Não basta pedir um parecer; temos
que dirigir-nos a quem no-lo possa dar desinteressada e retamente».
- O hábito da meditação. Faz-nos muita falta reservar todos os dias um tempo para meditar com calma, em um lugar tranquilo, sobre os assuntos que exigem uma decisão acertada. Podem ser uns dez minutos de manhã cedo, acordando talvez um pouco antes do habitual; ou à noite, antes de nos retirarmos para dormir, ou em outro momento oportuno. O silêncio, o esforço de pôr as ideias e os planos em ordem, o exercício de anotar os dados ordenadamente, para pensar melhor sobre eles, o exame de acertos e erros do dia, são premissas de uma reflexão objetiva e uma decisão lúcida.
- Refletir sob a luz de Deus. Para um cristão, esta deveria ser a reflexão mais importante. Vem ao pensamento o belo versículo do Salmo 36 (35), 10: É na vossa luz que vemos a luz. Trata-se disso: de pedir luz a Deus - a luz do Espírito Santo, "luz dos corações"; de examinar o que devemos resolver sob o resplendor da verdade de Deus, da Sua palavra, dos Seus mandamentos, acolhidos num coração sincero. Trata-se, sobretudo, de ter bem gravada na alma a imagem de Cristo, do Seu exemplo e dos Seus ensinamentos, para fazer deles luz da vida. (Jo 8, 12).
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