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A penitência sem amor é imperfeita



Todos os motivos apresentados são-nos ensinados pela fé e religião cristã; e, portanto, a penitência que neles se baseia, ainda que imperfeita, é muito louvável. É, na verdade, louvável, pois nem a Sagrada Escritura, nem a Igreja nos excitariam com semelhantes motivos se a penitência deles derivada não fosse boa: e claramente se vê que é muito conforme à razão o arrepender-nos do pecado por estas considerações, assim como é impossível não se arrepender aquele que as examina atentamente. Contudo é uma penitência imperfeita, visto que o amor divino não tem parte nela.


Pois não vês, Teotimo, que todos estes arrependimentos são causados pelo interesse da nossa alma, da sua felicidade, da sua beleza interior, da sua honra, da sua dignidade e, numa palavra, pelo amor de nós mesmos, embora legítimo, justo e bem orientado?

E notai bem que não digo que estes arrependimentos excluam o amor de Deus; digo apenas que não o abrangem; não o repelem, mas não o contêm; não são contra ele, mas existem ainda sem ele; o divino amor não é deles excluído, mas também não é neles incluído.


A vontade que abraça simplesmente o bem é muito boa, mas se ela o abraça rejeitando o melhor é certamente desordenada, não porque aceita um, mas porque repele o outro. Por exemplo: a promessa de dar esmola hoje é boa; a promessa de não a dar senão hoje seria má, porque excluiria o melhor, que é dá-la hoje e amanhã e sempre que se possa. É sem dúvida muito bom, e ninguém o pode negar, arrepender-se cada um dos seus pecados a fim de evitar as penas do inferno e alcançar o Paraíso; entretanto, quem tomasse a resolução de não querer jamais arrepender-se por nenhum outro motivo excluiria voluntariamente o melhor, que é arrepender-se pelo amor de Deus, e cometeria um grande pecado. Qual é o pai que não acharia mau que o seu filho quisesse servi-lo, mas nunca com amor e por amor?


O princípio das coisas boas é bom, o progresso é melhor e o fim é muito bom. Todavia, o princípio é bom como princípio e o progresso como progresso; mas querer terminar a obra pelo princípio ou pelo progresso é inverter a ordem.

A infância é boa, mas se não se quisesse nunca sair da infância, isso seria mau, porque o menino de cem anos é desprezado. Começar a aprender é muito louvável; porém, quem começasse com intenção de nunca se aperfeiçoar cometeria um contrassenso.

O temor e os outros motivos de arrependimento, de que já falámos, são bons nos princípios da sabedoria cristã, que consiste na penitência; mas quem, de caso pensado, não quisesse alcançar o amor, que é a perfeição da penitência, ofenderia altamente aquele que tudo destinou ao seu amor, como ao fim de todas as coisas.


Em conclusão: o arrependimento que exclui o amor de Deus é infernal e semelhante ao dos réprobos; o arrependimento que não rejeita o amor de Deus, ainda mesmo que não o possua, é um bom arrependimento e pode ser desejado, mas é imperfeito e não pode dar-nos a salvação sem que atinja o amor e fique confundido com ele. Se é certo, segundo disse o grande Apóstolo, que se entregasse o corpo às chamas e desse todos os bens aos pobres, de nada lhe serviria sem ter a caridade, certamente podemos também dizer que, embora a nossa penitência fosse tão grande que nos desfizesse em lágrimas os olhos e dilacerasse de dor os corações, tudo isto seria inútil para a eternidade não possuindo nós o santo amor de Deus.


Dos escritos de São Francisco de Sales

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